AO MENOS UM ENSAIO DA PLAYBOY1
Mariana Destro, 2024É difícil estar feliz com tanta cicatriz
É difícil se amar sendo excluída
Olhar para a TV e ainda ver paquitas
Cadê as gays? Cadê as pretas?
Cadê as gordas nas capas de revista?
MC Carol, “Levanta mina”
É difícil se amar sendo excluída
Olhar para a TV e ainda ver paquitas
Cadê as gays? Cadê as pretas?
Cadê as gordas nas capas de revista?
MC Carol, “Levanta mina”
Pelo que alguns diriam ser sincronicidade, mas outros simplesmente chamariam de coincidência, me vi, recentemente, esbarrando no coelhinho ícone da revista Playboy em diferentes ocasiões, nos mais variados lugares: andando pelas ruas da Saara, tanto em embalagens de maquiagem quanto no pescoço de um homem jovem, que comprava suvenires do Rio de Janeiro com a esposa e os filhos pequenos, garimpando revistas pornográficas em um dos sebos próximos à Praça Tiradentes e, particularmente, em um dos trabalhos que a artista carioca Panmela Castro expôs na mostra “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”, realizada entre setembro de 2023 e março de 2025 no Museu de Arte do Rio (MAR), intitulado MC Carol de Niterói (2021).
A pintura a óleo de Panmela Castro retrata MC Carol como uma pin-up2 da era pós-#MeToo.3 Na tela, observamos as cores em tons terrosos e o dripping característico de boa parte da produção pictórica recente da artista. A iluminação é suave e difusa, sugerindo um ambiente intimista — o trabalho pertence à série Vigília (2021–2022), na qual a artista recebe seus modelos no ateliê para sessões de pintura que se estendem noite adentro.
A MC Carol da pintura, virada para nos devolver o olhar por sobre os ombros, o faz com firmeza, desafiando, além dos padrões de beleza do heteropatriarcado, as convenções das políticas do olhar comuns à relação estabelecida entre a pessoa que é retratada, quem retrata e quem vê a imagem. Ela está sentada e usa uma blusa branca, com um decote nas costas, e uma calcinha fio-dental preta, que revela a tatuagem de um coelhinho na nádega direita.
O coelhinho é a marca da PLBY Group, empresa multinacional fundada por Hugh Hefner, em 1953, como Playboy Enterprises. Apesar de ser uma marca comercial, pode-se afirmar que o coelhinho ícone da Playboy tem uma dimensão cultural e simbólica que extrapola a noção de que seja apenas um produto.
A ideia de ter uma marca tatuada na pele seria, por si só, um assunto digno de um ensaio. No entanto, para analisar o ícone que aparece no retrato de MC Carol, é necessário destacar suas dimensões sociais. Para isso, utilizarei a ideia da Playboy como um dispositivo de produção de subjetividades associado aos modelos de sexualidade e aos papéis de gênero que se formaram nos Estados Unidos, principalmente entre as décadas de 1950 e 1970 (Preciado, 2020).
Ter uma tatuagem do coelhinho da Playboy pode ser considerado sexy, sobretudo se for em uma parte do corpo sugestiva. Em MC Carol, poderíamos inferir que se trata de um símbolo de sua agência sexual. Contudo, no imaginário ocidental, o mesmo símbolo está ligado à revista de mulheres nuas com orelhinhas de coelho, quase sempre mulheres brancas, magras e loiras, pessoas que incorporavam um ideal de feminilidade necessariamente sujeito ao ideal de masculinidade fabricado pela Playboy.
Hoje, ao empreender uma análise cultural da revista Playboy, pode-se afirmar, conforme Paul B. Preciado em Pornotopia: PLAYBOY e a invenção da sexualidade multimídia (2020), que trata-se de uma autópsia. Em 2010, quando o filósofo escreveu sua tese, “o coração da pornotopia Playboy ainda pulsa, embora seus sinais vitais estejam se debilitando pouco a pouco” (Preciado, 2020, p. 208). Arrisco dizer que, em 2024, a pornotopia Playboy está morta. Isso não significa, contudo, que seus órgãos vitais não tenham sido transplantados “até para outros centros de produção de significado” (Preciado, 2020, p. 208).
Seria o coelhinho da Playboy tatuado em MC Carol um reflexo do transplante bem-sucedido de seus órgãos vitais e, como consequência, uma evidência de novas dimensões simbólicas atribuídas à própria Playboy? Para desenvolver uma visada crítica de tais sentidos culturais, me debruçarei sobre o conceito de pornotopia, amparada pelo pensamento de Paul B. Preciado (2020).
Da disciplina à farmacopornografia
As pornotopias, tipos particulares de heterotopias — por sua vez, um conceito definido por Michel Foucault (2013) que enfatiza a relevância de uma história do espaço, visto que o século XX seria “o século do espaço” (Foucault, 2013, p. 121) —, seriam espaços onde as normas morais vigentes na sociedade são suspensas, espaços de alteridade caracterizados pela exposição pública do privado e sua espetacularização.
A construção deste topos é necessária para o projeto de Hugh Hefner de constituição do playboy, um tipo de homem heterossexual que, nos Estados Unidos do pós-guerra, busca um espaço doméstico alternativo à família nuclear suburbana, que era o modelo social predominante na época.
Assim, em um processo duplo e simultâneo de construção e midiatização (Preciado, 2020), a utopia erótica inventada pela Playboy é crucial para a transformação da sociedade disciplinar em sociedade farmacopornográfica. Por capitalismo farmacopornográfico, o filósofo entende tratar-se de
um novo regime de controle do corpo e de produção de subjetividade que emerge depois da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento de novos materiais sintéticos para o consumo e a reconstrução corporal (como os plásticos e o silicone), a comercialização farmacológica de substâncias endócrinas para separar sexualidade e reprodução (como a pílula anticoncepcional, inventada em 1947) e a transformação da pornografia em cultura de massas (Preciado, 2020, p. 118).
A pornotopia Playboy passa a produzir, nos Estados Unidos da década de 1950, um modelo de subjetividade da masculinidade pós-doméstica que rompe com o capitalismo puritano e instaura um capitalismo sensorial. Nesse sentido, a Playboy é uma espécie de tecnologia de gênero ou, então, uma tecnologia sexual.
A capacidade das mídias, junto aos fármacos, de produzirem subjetividade — ou seja, produzirem corpos, erotização e sexualidade — é o que embasa tal compreensão. Na sociedade farmacopornográfica, as tecnologias, sejam elas midiáticas ou médicas, fazem parte dos corpos. O próprio sexo é modulado por uma técnica.
A Playboy pertence à dimensão midiática e espetacular do capitalismo farmacopornográfico. Para construir seu império multimidiático, Hugh Hefner contou com o engendramento de uma série de tecnologias de estímulo erótico que acabaram por revelar o caráter politoxicômano e compulsivamente masturbatório da subjetividade contemporânea (Preciado, 2020).
Tal dimensão midiática se insinua como uma espécie particular de espaço. A própria revista, com o apelo sensorial não só dos nus femininos, mas também da página dupla central, em que tradicionalmente figurava a playmate4 do mês, estimulava a interação manual com as fotografias. Além disso, as mansões de Hefner e os apartamentos de solteiro (playboy pads) que a publicação apresentava regularmente em suas páginas constituíam uma série de orientações e dicas de decoração que essa nova masculinidade pós-doméstica poderia incorporar para que seus indivíduos se transformassem em playboys,5 conformando, assim, tecnologias de estímulo erótico e produção de subjetividades.
Na toca do coelho
Na edição em homenagem post mortem a Hugh Hefner,6 a Playboy Brasil escolheu para a capa uma imagem do fundador da revista que poderíamos classificar como o retrato máximo do playboy, o modelo de masculinidade que Hefner criou, formatou e vendeu através das páginas da revista.
Na capa da revista, há um cropped de uma fotografia de Burt Glinn, tirada em 1966, na Mansão Playboy de Chicago, que mostra Hefner com um cachimbo na boca, cercado por quatro mulheres vestidas de coelhinhas. Uma delas está no canto, outra está ao fundo, atrás dele, e duas mulheres estão em primeiro plano. Hefner aparenta ter 40 anos, enquanto as coelhinhas parecem ter 19 ou 20 anos. Elas parecem objetos cenográficos, verdadeiros adereços empregados na imagem para complementar a cena.
É como se, além do mobiliário modernista e dos gadgets tecnológicos, o playboy também pudesse adquirir mulheres para compor a decoração de interiores do playboy pad. Afinal, o que o projeto de Hefner sugere, em última instância, é que o playboy se constitui a partir de seus hábitos de consumo. Sobre sua psicologia interior não se sabe (quase) nada. De alguma forma, essas mulheres parecem com os múltiplos apetrechos eletrônicos que cercam Hugh Hefner em sua cama farmacopornográfica.7
A história da pornotopia Playboy é, também, a história do indivíduo que a fundou. Ademais, é a história de uma dentre várias estratégias de produção e manutenção da noção de gênero na segunda metade do século XX. É importante destacar que as menções à vida de Hefner não são uma tentativa de fazer julgamentos morais do playboy, mas sim explorar o embaralhamento entre público e privado, trabalho e sexo, que ele próprio engendrou em vida.
Para que não houvesse dúvidas da heterossexualidade do homem que pertencia à esfera doméstica, Hefner entendeu que era preciso criar a companheira ideal para o playboy (Preciado, 2020). A playmate não deveria ser
uma ameaça para sua autonomia sexual e doméstica. Na realidade, a definição da playmate não era sexual, mas geográfica. Situada no umbral do apartamento do solteiro, ao mesmo tempo ao alcance de sua mão, mas alheia a seu próprio ambiente doméstico (Preciado, 2020, p. 63).
Uma das formas de cimentar tal modelo de feminilidade no imaginário coletivo foi por meio da criação do conceito de girl next door (“a garota da casa ao lado”), cujo apelo era precisamente a ideia de que ela era dócil como um coelho, alegre e sempre disposta, uma mulher “acessível”, que não oferecesse jamais resistência. E a primeira playmate a encarnar esse ideal — e, ao mesmo tempo, estabelecer um modelo que seria seguido até o fim da revista — foi Janet Pilgrim, Miss Julho de 1955 e secretária do departamento de assinaturas da própria revista (Preciado, 2020). Não por acaso, Pilgrim era, também, namorada de Hefner.
Assim, conforme Preciado (2020), a Playboy se torna pioneira nas relações de trabalho comuns aos dias de hoje: relações marcadas pela fagocitose, da parte dos processos produtivos, do que, até então, era considerado vida privada, em “um processo de capitalização e privatização da vida característicos das mutações dos processos produtivos no pós-fordismo” (Preciado, 2020, p. 65). A aparição de Pilgrim na revista a catapultou para a fama, tornando-se o que o filósofo chamou de “autêntica precursora de futuras famosas-desconhecidas da era da real TV” (Preciado, 2020, p. 65).
Embora a produção de subjetividade do playboy fosse um dos principais objetivos do império da indústria pornográfica, sem dúvida o principal produto que a revista vendia eram as mulheres, tanto as coelhinhas8 quanto as playmates. Em alguns feminismos, existe uma crescente noção de que Hefner construiu seu império explorando as mulheres que, de múltiplas formas, se tornaram imagens e representações do ideal de feminilidade promovido pela pornotopia Playboy.9
Entre o show e a realidade
De 2005 a 2010, o reality show The Girls Next Door retratou as vidas das namoradas de Hugh Hefner, que moravam com ele na Mansão Playboy de Los Angeles. Apesar de Hefner aparecer recorrentemente no programa, o foco das primeiras temporadas era suas três namoradas, Holly Madison, Bridget Marquardt e Kendra Wilkinson. Em um momento em que a pornotopia Playboy vivia seus últimos dias (Preciado, 2020), o reality show pareceu dar uma sobrevida à Playboy, apresentando seu universo pornotópico para uma nova geração, composta especialmente por mulheres.10
Ironicamente, foi em 1959 que Hefner criou o primeiro reality show da história da televisão, Playboy’s Penthouse (Preciado, 2020). Este, diferentemente de The Girls Next Door, era centrado no ponto de vista de Hefner, que a cada episódio recebia, além das coelhinhas e das playmates, celebridades e artistas do calibre de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Nat King Cole.
O cenário era a cobertura de Hefner, como se ele fosse o anfitrião de uma festa cujos convidados eram algumas das pessoas mais conhecidas pelo público dos Estados Unidos da época, que bebiam drinques servidos pelas coelhinhas e, além de conversar com Hefner em frente às câmeras, assistiam a performances musicais.
Playboy’s Penthouse, no entanto, não sobreviveu à baixa audiência. Talvez o segredo do sucesso de The Girls Next Door — que, diga-se de passagem, foi precursor da era dos reality shows, um sintoma óbvio da porção pornográfica, ou seja, de espetacularização do privado, da sociedade farmacopornográfica de Preciado — fosse a mudança de ponto de vista. Em 2007, aproximadamente 70% da audiência do programa era formada por mulheres.
Apesar de Holly, Bridget e Kendra serem as protagonistas do reality show, The Girls Next Door era comandado por Hefner, que detinha o título de produtor executivo do programa. Com um tom leve, bem-humorado e participações de celebridades como Paris Hilton — a “it girl” dos anos 2000 e, provavelmente, a primeira influenciadora da era digital —, não é surpreendente que The Girls Next Door fosse tão popular entre as mulheres. Eu mesma, que tinha 12 anos quando o programa estreou, adorava o reality.
Também vale mencionar que, ao longo do programa, as três protagonistas aparecem usando diversos produtos — roupas, bolsas, joias, almofadas e itens de decoração — com símbolos da Playboy, como o coelhinho. É natural imaginar que a recorrência dessas imagens no imaginário pop da época possa ter promovido uma leve mudança de significado de ícones que, até então, eram reservados ao público masculino.
O coelhinho da Playboy, então, teria se tornado um símbolo feminista? Não acredito que qualquer mecanismo de produção da noção de gênero heteropatriarcal possa ser emancipador. Além disso, é impossível apagar os rastros dos comportamentos mais problemáticos da Playboy, como o fato de que, apesar de incluir playmates negras em suas páginas, as mulheres racializadas foram poucas em comparação com o número total de modelos.11
O modelo de feminilidade que resta como parte do legado cultural da Playboy engloba uma noção de beleza feminina racista, que privilegia mulheres brancas, magras e loiras, WASPs12 como o próprio Hefner, marginalizando a noção de múltiplas formas de beleza feminina:
E quanto ao legado de Hefner? O que mais ficou foi a forma como ele normalizou um olhar sexual unilateral. Mais especificamente, a visão de atração sexual dele naturalizou e amplificou uma cultura estética de beleza e sexualidade racista, restritiva e gordofóbica, que tem pouca semelhança com a maioria das mulheres — mulheres pelas quais muitas pessoas realmente se sentem atraídas e têm relações sexuais com (Johnston; Taylor, 2017, tradução livre).13
Por trás das câmeras da Playboy, sempre houve mulheres em posição de poder, como Marilyn Grabowski, editora de fotos da publicação por cerca de 40 anos, frequentemente lembrada como uma das figuras mais próximas a Hefner. Grabowski era responsável pela escolha das modelos que seriam playmates e pela produção dos ensaios. Quando uma mulher aponta a câmera para outra mulher, automaticamente são operadas torções nas políticas do olhar? Ou será que tais políticas são demasiado complexas para que a mera mudança de ponto de vista, do male gaze — tomando emprestado o conceito de Laura Mulvey (1975) — para uma espécie de female gaze, consiga desmantelá-las?
A última playmate “aprovada” por Hugh Hefner antes de sua morte foi também a primeira mulher trans a posar para a Playboy: Ines Rau. Em Secrets of Playboy (2022–2023), série documental produzida pelo canal americano A&E que se destaca pelo uso discursivo de depoimentos de coelhinhas e playmates, Rau reconhece a visão limitada de beleza e sexualidade da Playboy, mas também afirma que posar para a revista foi uma forma de se subjetivar não apenas como mulher, mas como um ser desejante, um símbolo sexual:
A Playboy, por muito tempo, decidiu e moldou o que era sexy ou não. Então, ter uma pessoa com deficiência na Playboy, ter uma mulher trans na Playboy, ter uma mulher racializada na Playboy realmente ajudou a abrir as pessoas para diferentes tipos de beleza, que é a diversidade. No entanto, hoje em dia, em 2023, a gente não dá a mínima para o que a Playboy decidir sobre quem é sexy ou não. Acho que a era da Playboy já está um pouco ultrapassada. Por mais icônica que seja, acho que faz um pouco parte do passado, sabe? (Secrets, 2022-2023, tradução livre).14
A pornotopia Playboy é parte do passado. Sem dúvida, um passado que deixou um legado cuja complexidade apenas se insinua. Nesta breve análise cultural — ou autópsia — da Playboy, esbocei relações aparentes que, todavia, precisarão ser revisitadas. Talvez seja de sua natureza: a Playboy como um dispositivo gerador de dispositivos produtores de subjetividades (Preciado, 2020) em um processo multiplicador de sentidos inesgotáveis. Ou talvez seja mais simples do que parece. De toda forma, aqui jaz o cadáver. E “[d]e nossa parte, nós, necrófilos recalcitrantes, continuaremos de um modo ou de outro habitando a pornotopia” (Preciado, 2020, p. 221).
1. Publicado com o título “Playboy e o topos pornográfico: um ensaio” em: REINALDIM, Ivair; VINHOSA, Luciano (org.). Uso das imagens. Rio de Janeiro: Circuito, 2025.
2. “Eram conhecidas como pin-ups as representações (desenhos ou fotografias) de mulheres (nem sempre necessariamente nuas) realizadas durante os anos 1930 e 1940 nos Estados Unidos para serem publicadas em calendários, imagens comerciais ou quadrinhos eróticos que os soldados popularizaram durante a guerra ao desenhá-las sobre o material bélico ou pendurá-las em seus dormitórios” (Preciado, 2020, p. 66).
3. O movimento #MeToo, que começou a ganhar tração em outubro de 2017 com o uso da hashtag nas redes sociais, foi uma plataforma para as mulheres sobreviventes de assédio e agressão sexual no ambiente de trabalho denunciarem seus agressores. Mulheres famosas no showbiz americano aderiram ao movimento, o que gerou ainda mais visibilidade. O impacto cultural do #MeToo ocasionou uma certa mudança na forma como a sociedade ocidental enxerga uma série de comportamentos voltados às mulheres, inclusive no que diz respeito à representação de novos ideais de beleza.
4. O termo criado pela revista, que designava as modelos que posavam para a Playboy, pode ser traduzido para o português como “companheira de brincadeiras”.
5. Além dos playboy pads, a revista publicava recomendações de mobiliário e decoração, algo que até então, nos Estados Unidos, se restringia a revistas cujo público-alvo eram as mulheres. Desse modo, segundo Preciado (2020), a Playboy implode a noção de que o masculino seria pertencente ao espaço público e o feminino, ao espaço doméstico.
6. A edição número 497 foi publicada pela PBB Entertainment em dezembro de 2017, dois meses depois da morte de Hefner.
7. Nos primórdios da Playboy, Hugh Hefner desenvolveu o hábito de trabalhar até tarde no escritório da revista e, eventualmente, transferiu sua cama de casa para o escritório. Assim, surgiu o famoso hábito de Hefner de estar sempre de pijamas e também a noção da cama como um espaço não apenas para descansar, mas também para trabalhar e se divertir. A cama farmacopornográfica (Preciado, 2020) era a cama redonda e giratória de Hefner, feita sob medida para que ele, sem sair dela, pudesse acessar diversas funcionalidades, como assistir televisão e acender a lareira. A cama também estava cercada de aparelhos tecnológicos, como gravadores, telefones, revistas, jornais e negativos de ensaios de playmates. Além de ser um espaço de trabalho, a cama de Hefner servia como ponto de encontro para amigos e namoradas, evidenciando o entrelaçamento entre público e privado e entre trabalho e sexo característicos da definição de pornografia proposta por Preciado (2020) e promovidos pela Playboy.
8. As coelhinhas eram mulheres que trabalhavam nos empreendimentos da Playboy — clubes, cassinos e resorts — servindo os clientes, como garçonetes, e promovendo o lifestyle da marca. Elas eram conhecidas pelo uniforme de trabalho, que consistia em uma espécie de lingerie inspirada pelo coelhinho ícone da Playboy: um corset sem alças, que parecia uma espécie de maiô cavado, junto à meia-calça preta; uma tiara com orelhas de coelho; uma gola com gravata-borboleta; nos punhos, abotoaduras; e um enorme pompom branco na parte de trás do corset. No trabalho, essas mulheres eram submetidas a um ostensivo controle disciplinar de seus corpos. No entanto, muitas coelhinhas dos tempos áureos da Playboy (dos anos 1950 aos anos 1970), incluindo mulheres racializadas (os clubes da Playboy também eram conhecidos por se oporem à segregação racial em um período histórico anterior ao Movimento dos Direitos Civis), relatam, hoje, o impacto positivo que ser uma coelhinha teve em suas vidas (Secrets, 2022–2023).
9. Esse pensamento é corroborado por Gloria Steinem, feminista americana ligada à segunda onda do movimento. Steinem, que é jornalista, ganhou notoriedade ao se infiltrar no clube da Playboy de Nova York, onde trabalhou como coelhinha por um mês, e escrever um exposé sobre o que ela relatava ser a exploração sexual destas mulheres. Em agosto de 2023, Chialing Young King, a coelhinha que treinou Gloria Steinem no clube da Playboy, publicou um artigo no The Daily Beast criticando o retrato parcial pintado por Steinem. Segundo Chialing Young King, uma mulher asiática, Steinem escreve seu exposé de um ponto de vista privilegiado — pela branquitude e pelo fato de ser uma jornalista infiltrada, de modo que aquele não era, de fato, seu emprego —, marginalizando e vitimizando as coelhinhas que, pela ótica de King, eram mulheres ambiciosas e independentes, trabalhando em um ambiente marcado pela diversidade racial. Disponível em: thedailybeast.com/i-taught-gloria-steinem-how-to-be-a-playboy-bunny. Acesso em: 14 ago. 2024.
10. Disponível em: nypost.com/2007/08/06/why-women-love-girls-next-door. Acesso em: 14 ago. 2024.
11. Em 1994, Elan Carter foi a 13a playmate negra da revista, que já havia publicado ensaios de mais de 450 mulheres (Secrets, 2022–2023).
12. Em inglês, abreviação de White Anglo-Saxon Protestant, ou “branco, anglo-saxão e protestante”, termo frequentemente usado para designar um grupo homogêneo que, na sociedade estadunidense, detém poder social, econômico e político.
13. “So what of Hefner’s legacy? Most enduringly, Hefner normalized a one-way sexual gaze. More specifically, his vision of sexual attractiveness naturalized and amplified a racist, narrow, fat-phobic aesthetic culture of beauty and sexuality that includes little likeness to the majority of women — women many people actually desire and engage sexually with.”
14. “Playboy for a long time kind of, like, decided and shaped what was sexy or not. So, to have a disabled person in Playboy, to have a trans woman in Playboy, to have a woman [of] color in Playboy really helped to open people to different kinds of beauty, which is diversity. However, nowadays, in 2023, we don’t give a fuck of what Playboy would decide of who’s sexy or who’s not. I think the era of Playboy is a bit over. As iconic as it is, I think it’s a bit part of the past, you know?”
REFERÊNCIAS:2. “Eram conhecidas como pin-ups as representações (desenhos ou fotografias) de mulheres (nem sempre necessariamente nuas) realizadas durante os anos 1930 e 1940 nos Estados Unidos para serem publicadas em calendários, imagens comerciais ou quadrinhos eróticos que os soldados popularizaram durante a guerra ao desenhá-las sobre o material bélico ou pendurá-las em seus dormitórios” (Preciado, 2020, p. 66).
3. O movimento #MeToo, que começou a ganhar tração em outubro de 2017 com o uso da hashtag nas redes sociais, foi uma plataforma para as mulheres sobreviventes de assédio e agressão sexual no ambiente de trabalho denunciarem seus agressores. Mulheres famosas no showbiz americano aderiram ao movimento, o que gerou ainda mais visibilidade. O impacto cultural do #MeToo ocasionou uma certa mudança na forma como a sociedade ocidental enxerga uma série de comportamentos voltados às mulheres, inclusive no que diz respeito à representação de novos ideais de beleza.
4. O termo criado pela revista, que designava as modelos que posavam para a Playboy, pode ser traduzido para o português como “companheira de brincadeiras”.
5. Além dos playboy pads, a revista publicava recomendações de mobiliário e decoração, algo que até então, nos Estados Unidos, se restringia a revistas cujo público-alvo eram as mulheres. Desse modo, segundo Preciado (2020), a Playboy implode a noção de que o masculino seria pertencente ao espaço público e o feminino, ao espaço doméstico.
6. A edição número 497 foi publicada pela PBB Entertainment em dezembro de 2017, dois meses depois da morte de Hefner.
7. Nos primórdios da Playboy, Hugh Hefner desenvolveu o hábito de trabalhar até tarde no escritório da revista e, eventualmente, transferiu sua cama de casa para o escritório. Assim, surgiu o famoso hábito de Hefner de estar sempre de pijamas e também a noção da cama como um espaço não apenas para descansar, mas também para trabalhar e se divertir. A cama farmacopornográfica (Preciado, 2020) era a cama redonda e giratória de Hefner, feita sob medida para que ele, sem sair dela, pudesse acessar diversas funcionalidades, como assistir televisão e acender a lareira. A cama também estava cercada de aparelhos tecnológicos, como gravadores, telefones, revistas, jornais e negativos de ensaios de playmates. Além de ser um espaço de trabalho, a cama de Hefner servia como ponto de encontro para amigos e namoradas, evidenciando o entrelaçamento entre público e privado e entre trabalho e sexo característicos da definição de pornografia proposta por Preciado (2020) e promovidos pela Playboy.
8. As coelhinhas eram mulheres que trabalhavam nos empreendimentos da Playboy — clubes, cassinos e resorts — servindo os clientes, como garçonetes, e promovendo o lifestyle da marca. Elas eram conhecidas pelo uniforme de trabalho, que consistia em uma espécie de lingerie inspirada pelo coelhinho ícone da Playboy: um corset sem alças, que parecia uma espécie de maiô cavado, junto à meia-calça preta; uma tiara com orelhas de coelho; uma gola com gravata-borboleta; nos punhos, abotoaduras; e um enorme pompom branco na parte de trás do corset. No trabalho, essas mulheres eram submetidas a um ostensivo controle disciplinar de seus corpos. No entanto, muitas coelhinhas dos tempos áureos da Playboy (dos anos 1950 aos anos 1970), incluindo mulheres racializadas (os clubes da Playboy também eram conhecidos por se oporem à segregação racial em um período histórico anterior ao Movimento dos Direitos Civis), relatam, hoje, o impacto positivo que ser uma coelhinha teve em suas vidas (Secrets, 2022–2023).
9. Esse pensamento é corroborado por Gloria Steinem, feminista americana ligada à segunda onda do movimento. Steinem, que é jornalista, ganhou notoriedade ao se infiltrar no clube da Playboy de Nova York, onde trabalhou como coelhinha por um mês, e escrever um exposé sobre o que ela relatava ser a exploração sexual destas mulheres. Em agosto de 2023, Chialing Young King, a coelhinha que treinou Gloria Steinem no clube da Playboy, publicou um artigo no The Daily Beast criticando o retrato parcial pintado por Steinem. Segundo Chialing Young King, uma mulher asiática, Steinem escreve seu exposé de um ponto de vista privilegiado — pela branquitude e pelo fato de ser uma jornalista infiltrada, de modo que aquele não era, de fato, seu emprego —, marginalizando e vitimizando as coelhinhas que, pela ótica de King, eram mulheres ambiciosas e independentes, trabalhando em um ambiente marcado pela diversidade racial. Disponível em: thedailybeast.com/i-taught-gloria-steinem-how-to-be-a-playboy-bunny. Acesso em: 14 ago. 2024.
10. Disponível em: nypost.com/2007/08/06/why-women-love-girls-next-door. Acesso em: 14 ago. 2024.
11. Em 1994, Elan Carter foi a 13a playmate negra da revista, que já havia publicado ensaios de mais de 450 mulheres (Secrets, 2022–2023).
12. Em inglês, abreviação de White Anglo-Saxon Protestant, ou “branco, anglo-saxão e protestante”, termo frequentemente usado para designar um grupo homogêneo que, na sociedade estadunidense, detém poder social, econômico e político.
13. “So what of Hefner’s legacy? Most enduringly, Hefner normalized a one-way sexual gaze. More specifically, his vision of sexual attractiveness naturalized and amplified a racist, narrow, fat-phobic aesthetic culture of beauty and sexuality that includes little likeness to the majority of women — women many people actually desire and engage sexually with.”
14. “Playboy for a long time kind of, like, decided and shaped what was sexy or not. So, to have a disabled person in Playboy, to have a trans woman in Playboy, to have a woman [of] color in Playboy really helped to open people to different kinds of beauty, which is diversity. However, nowadays, in 2023, we don’t give a fuck of what Playboy would decide of who’s sexy or who’s not. I think the era of Playboy is a bit over. As iconic as it is, I think it’s a bit part of the past, you know?”
- FOUCAULT, Michel. De espaços outros. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 79, p. 113-122, 25 nov. 2013. Disponível em: https://scielo.br/j/ea/a/zz6cfdQBcxskMtMXDHPqT4G. Acesso em: 13 ago. 2024.
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JOHNSTON, Josée; TAYLOR, Judith. Hugh Hefner’s Legacy: Narrow Visions of Sex and Beauty. University of Toronto – Faculty of Arts & Science (website), 4 out. 2017. Disponível em: https://artsci.utoronto.ca/news/hugh-hefners-legacy-narrow-visions-sex-and-beauty. Acesso em: 14 ago. 2024.
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MULVEY, Laura. Visual Pleasure and Narrative Cinema. Screen, Chicago, v. 16, n. 3, p. 6-18, 1 out. 1975. Disponível em: https://academic.oup.com/screen/article-abstract/16/3/6/1603296. Acesso em: 14 ago. 2024.
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PRECIADO, Paul B. Pornotopia: PLAYBOY e a invenção da sexualidade multimídia. São Paulo: n-1 edições, 2020.
- SECRETS of Playboy. Estados Unidos: A&E, 2022–2023. son., color. Série exibida pelo A&E. Acesso em: 9 ago. 2024.